Fala, pessoal, como vocês estão? Quero iniciar pedindo desculpas pelo sumiço deste espaço e prometendo que farei de tudo para que ele não se repita. Vamos conversar hoje sobre os modelos da deficiência e vocês vão se surpreender com a existência de três modelos. Compreender os modelos e entender como eles surgiram, em quais contextos históricos e por que eles perderam a força é essencial para entendermos a evolução do conceito de capacitismo. É importante reforçar que os modelos da deficiência estão umbilicalmente ligados ao momento histórico e a percepção da sociedade e dos pesquisadores sobre os movimentos de pessoas com deficiência. Assim, vamos precisar visitar alguns períodos da nossa história. Apertem os cintos e vamos começar nossa viagem.
A primeira parada será no século XIX, no Império (1822-1889). Este período foi marcado pela sociedade aristocrática, elitista, rural, escravocrata, limitada participação política, pouco conhecimento científico e nada propício à assimilação das diferenças. As pessoas com deficiência eram confinadas em casa, pela família, ou recolhidas às Santas Casas ou às prisões, pelo Estado. Foi o período de prevalência do chamado modelo médico da deficiência, que vê a deficiência como uma doença que precisa ser tratada com remédios, internações e intervenção profissional. Foi o período também do surgimento de instituições públicas de tratamento das deficiências. Em 1841, por exemplo, foi criado o primeiro hospital destinado ao tratamento de alienados, o Hospício Dom Pedro II. Em 1854, foi a vez do Imperial Instituto dos Meninos Cegos e, em 1856, do Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, todos no Rio de Janeiro, capital do Império. Somente cegos e surdos eram contemplados com ações para a educação.
A deficiência, assim, para o modelo médico, não é uma característica da pessoa. A doença assume o protagonismo e é a responsável pela não participação (não aceitação) das pessoas com deficiência nas relações sociais. Pouca coisa mudou com a Proclamação da República, em 1889. Uma das mudanças foi a expansão dos serviços dos citados institutos para outras cidades do país, rompendo a exclusividade da capital imperial. Contudo, continuaram restritas a cegos e surdos e aos filhos de famílias abastadas. Somente na metade do século XX, a sociedade civil começou a se mobilizar e foram criadas as Sociedades Pestalozzi (1932) e as Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAEs), em 1954.
O modelo médico imperou no Brasil até meados do século XX. Este século foi marcado por dois grandes períodos ditatoriais – o Estado Novo, de Getúlio Vargas (1937-1945), e a Ditadura Civil-Militar (1964-1985). Os direitos civis e as organizações sociais foram abolidas e perseguidas no país. O cenário das deficiências começava a mudar, mas ainda lentamente, especialmente, em relação às deficiências intelectuais. Na Academia, faltavam estudos profundos. Os primeiros datam do começo do século XX, do médico Carlos Eiras. A expressão “deficiência intelectual”, introduzida oficialmente em 1995, pela Organização das Nações Unidas (ONU), passa a vigorar, significando que há um déficit no funcionamento do intelecto, não da mente, como se supunha com a terminologia ‘deficiência mental’.
Aos poucos, o modelo médico ruía e surgiam as bases para o modelo social da deficiência. O restabelecimento das organizações sociais e das liberdades individuais, a partir do enfraquecimento do Regime Militar, proporcionou o surgimento de organizações criadas e geridas pelas próprias pessoas com deficiência. Inicialmente, eram pequenos grupos de amigos e conhecidos, circunscritos ao bairro ou município, sem sede própria, estatuto ou ambição política. A motivação era a solidariedade entre pares. Mas, que viriam a se tornar o embrião das iniciativas de cunho político que surgiriam no final década de 1970 e início da 80. O eixo principal das novas formas de organização se contrapunha ao caráter de caridade e assistencialismo que marcou historicamente as ações. Estava em jogo a necessidade de as pessoas com deficiência serem protagonistas na condução das próprias vidas.
Os novos movimentos sociais, dentre os quais o movimento político das pessoas com deficiência, saíram do anonimato, uniram esforços, formaram novas organizações, articularam-se nacionalmente, criaram estratégias de luta para reivindicar igualdade de oportunidades e garantias de direitos. Esse processo se refletiu na Constituição Federal de 1988, chamada carinhosamente pelo então deputado e presidente da Assembleia Constituinte, Ulysses Guimarães (1916-1992), de “Constituição Cidadã”. A Constituição Federal brasileira foi um marco importante no avanço e, também, um referencial de proteção por parte do Estado dos Direitos Humanos dessas pessoas. As pessoas com deficiência tiveram enorme protagonismo nos debates da Assembleia Constituinte, garantindo o respeito a muitos dos seus direitos, nas áreas de educação, saúde, transporte, espaços arquitetônicos e outros.
O modelo social se mostrava muito mais atraente ao movimento como um todo, garantindo uma série de mudanças significativas na vida das pessoas com deficiência, mas ainda havia alguns questionamentos. Pesquisadores do tema alegavam que o fator médico não podia ser descartado totalmente. Os avanços alcançados pelo modelo social não atingiam à totalidade do movimento. Então, propuseram o modelo biopsicossocial, um conceito amplo que visa estudar a causa ou o progresso de doenças utilizando-se de fatores biológicos (genéticos, bioquímicos, etc), psicológicos (estado de humor, personalidade, comportamento, etc) e fatores sociais (culturais, familiares, socioeconômicos, médicos, etc). O modelo biopsicossocial busca compreender a deficiência em toda sua complexidade, utilizando-se de preceitos sociológicos, filosóficos, psicológicos e médicos. É o modelo aceito atualmente.