Poder
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O Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 3/2025, que busca revogar a Resolução nº 258/2024 do Conanda, avançou na Câmara dos Deputados nesta semana. A proposta visa anular a norma que estabelece diretrizes para o aborto legal em crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, com base em recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e evidências científicas.
O parecer favorável foi elaborado pelo relator deputado Luiz Gastão (PSD-CE) e aprovado pelas comissões de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família e de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC). No documento, Gastão argumenta que menores de 16 anos não têm autonomia decisória e que, portanto, o aborto deve ser condicionado à apresentação de boletim de ocorrência ou autorização judicial.
O relator criticou a dispensa de comunicação ao Conselho Tutelar e a ausência de um limite gestacional para o procedimento. Segundo ele, a omissão “na prática, autorizaria a realização de aborto em casos nos quais a gestação está próxima de 40 semanas”. O parlamentar também se opôs à previsão da norma de que nem os pais da vítima devem ser avisados quando houver suspeita de violência intrafamiliar.
A proposta é articulada por deputados da ala conservadora, como Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Bia Kicis (PL-DF), Chris Tonietto (PL-RJ) e Marco Feliciano (PL-SP), com apoio de siglas como MDB, PSD, Avante, União Brasil, Podemos e Republicanos. No dia 27 de agosto, foi solicitado regime de urgência, o que pode levar o texto diretamente ao Plenário, sem nova tramitação nas comissões.
Em nota técnica, a campanha Criança Não é Mãe classificou o projeto como um retrocesso na proteção da infância, por revogar a única norma que estabelece um fluxo claro e seguro para atendimento de vítimas de estupro infantil. O documento ressalta que protocolos semelhantes já são adotados internacionalmente.
Entre 2018 e 2023, segundo a campanha, uma menina de 10 a 19 anos morreu por semana no Brasil por complicações gestacionais. A OMS aponta que a gravidez é a segunda principal causa de morte entre adolescentes de 15 a 19 anos no mundo. Gravidezes precoces também estão associadas a maior risco de prematuridade, baixo peso ao nascer e evasão escolar.
Estudo do Cidacs-Fiocruz, em parceria com a Associação de Obstetrícia de Rondônia, identificou que 14 mil meninas entre 10 e 14 anos tiveram filhos no Brasil em 2023, mas apenas 154 tiveram acesso ao aborto legal. Entre 2015 e 2019, 67% dos 69.418 estupros registrados tiveram como vítimas meninas dessa faixa etária. Em 62,41% dos casos, os autores eram pessoas conhecidas das vítimas.
A Resolução 258/2024, em vigor, determina que nenhuma exigência pode atrasar ou impedir o acesso ao aborto legal em casos de violência, protegendo a saúde e a liberdade da vítima. O texto está sob responsabilidade do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), órgão vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.